domingo, 24 de março de 2013

A Criança


Um pequeno trecho da educadora Maria Montessori, que nos faz lembrar porque é tão bom ser mãe de crianças pequenas!

A CRIANÇA

À noite, quando vai deitar-se, chama a pessoa a quem ama e gostaria que esta não a deixasse. E quando vamos comer, o lactante que ir conosco, não tanto para comer também, mas para olhar-nos, para estar perto de nós.

O adulto passa junto desse amor imenso sem o reconhecer – mas trate de cuidar–se: aquele pequenino que o ama crescerá e desaparecerá.

Quem o amará como o pequenino? Quem o chamará, à hora de ir para a cama, dizendo: “ Fique comigo” – em vez de dizer com indiferença: “ Boa noite”? 

Quem desejará, alem disso, estar junto de nós à mesa, apenas para olhar-nos? 

Nós nos defendemos contra esse amor – e nunca tornaremos a encontrar outro igual! – e replicamos impacientes: “ tenho mais o que fazer!”.

No fundo, pensamos: “É preciso corrigir as crianças; do contrário, elas nos escravizam”.

Queremos libertar-nos dela para fazermos aquilo que nos agrada, para não renunciar à nossa comodidade.

Maria Montessori (educadora, criadora do método montessoriano de ensino)

terça-feira, 12 de março de 2013

Pequenas autoridades

Folha de São Paulo, 12.03.13
A família está sob o governo das crianças, afirma pesquisadora
JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Theodoro tem dois anos e 11 meses e o apelido de "Theorremoto", ganho às custas de muita birra. "Não muito orgulhosa disso", a mãe, a estilista Marina Breithaupt, 32, diz que o menino manda nela, no pai e na irmã de 11 anos.
"Saímos quando ele quer, assistimos ao que ele gosta na TV. Ele quer tudo antes da irmã e decidiu que não dorme mais na cama dele, só na nossa", conta a mãe.
Se ouvir um não, o menino "faz escândalo, vira um inferno". A família deixou de ir a shopping porque Theo quer tudo que vê. E só vai a restaurante que tem parquinho: um dos pais brinca com ele enquanto o outro come.
A última do garoto é não querer ir à escola. "Já acorda dizendo que não vai. Num domingo, resolveu que queria ir", diz Marina. "Sou rígida, mas acabo cedendo para evitar problemas. Ele tem personalidade dominadora."
Ele e uma geração inteira de pequenos ditadores, na explicação de Marcia Neder, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e Educação da USP e autora do livro "Déspotas Mirins - O Poder nas Novas Famílias" (Zagodoni, 144 págs., R$ 34).
"Vivemos uma 'pedocracia'", diz, dando nome ao fenômeno das famílias sob o governo das crianças. "Há 50 anos, elas não tinham querer. Agora, mandam."
Segundo Neder, estamos no ápice da tirania infantil. "Muito se fala sobre declínio de poder paterno e ascensão do materno. Discordo. Quem ganhou poder nas últimas décadas foram os filhos", diz.
A falta de limites é sinal da derrota dos pais, na visão dela. "A criança foi a grande vitoriosa do século 20."
E não precisa ser mandão para manter o reinado. Mesmo sem espernear, os filhos têm as vontades atendidas e a rotina da casa organizada em função deles. "O adulto é um satélite em volta da criança", diz Neder, que considerada urgente um esforço pela retomada do poder adulto. "Vamos pagar o preço de ver esses tiranos crescidos."

Por que é tão difícil colocar limites no seu filho
DE SÃO PAULO
Os pequenos tiranos de hoje são resultado do encontro de duas gerações sem limites, diz Tania Zagury, mestre em educação e autora de "Limites Sem Trauma" (Record).

"Quem está criando filhos agora são os que já tiveram liberdade na infância e estão frente a uma situação que não vivenciaram: os filhos deles também querem fazer de tudo. A liberdade da criança acaba tirando a dos pais."
Zagury fez um estudo com 160 famílias no início dos anos 1990, quando já identificava o surgimento da tirania infantil. "Os pais dos anos 1980 tinham sido criados de forma dominadora e queriam uma educação liberal."
Entre os anos 1970 e 1980 a criança se tornou ator da história, segundo Mary Del Priore, organizadora do livro "História das Crianças no Brasil" (Contexto).
A tendência começou depois da Segunda Guerra. Ao mesmo tempo, surgiram leis de proteção à infância, jovens ganharam visibilidade no cinema e na publicidade e as famílias diminuíram.
"A mulher [que trabalha fora e começa a tomar pílula] passa a querer ter menos filhos para criá-los bem. E a criança ganha lugar como consumidora. Há uma transformação no papel dos pais", afirma a historiadora.

CRISE DE AUTORIDADE
O problema é que a balança foi toda para o outro lado: da rigidez à frouxidão, analisa o psicanalista Renato Mezan, professor da PUC-SP. "Por um lado, é um avanço social, há mais diálogo na família e mais decisões consensuais. Mas, por outro, os pais têm medo de exercer a autoridade legítima. É uma crise de autoridade generalizada."
Há também uma inversão de papeis, segundo a pedagoga Adriana Friedmann, doutora em antropologia e coordenadora do Nepsid (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento).
"Há uma 'adultização' precoce e, ao mesmo tempo, um prolongamento da infância", diz. "Não dá para culpar só os pais. Todos são vítimas da tendência sociocultural. As crianças estão expostas a um grande número de estímulos e influências da mídia."
Para a psicanalista Marcia Neder, os pais se sentem obrigados a mimar os filhos e há muitas exigências em torno de um ideal da mãe perfeita. "Fica difícil dizer 'não' em uma sociedade que trata a criança como um deus."
A blogueira Loreta Berezutchi, 29, sente na pele as cobranças do que ela chama de "filhocentrismo". Loreta é mãe de Catarina, 3, e Pedro, 5. O menino não dá muito trabalho, mas Catarina...
"Ela está sempre batendo o pé. Empaca quando não quer sair de casa e quer escolher a roupa que vai usar. Às vezes, quer blusa de frio no calor e é difícil fazê-la mudar de ideia", conta.
Além de comprar "as brigas que valem a pena" com a filha (como não deixá-la viver só de bolacha e iogurte), Loreta tenta não ser guiada pela concorrência que há entre mães blogueiras para ver quem é a "mais mãe", ou seja, a que mais paparica sua prole (ela escreve no www.bagagemdemae.com.br).
"Na hora de apontar o dedo, todo mundo aponta. 'Ah, meu filho só come comida saudável e o seu toma refrigerante'. Você se sente culpada por não ser o modelo de mãe que cozinha para o filho, dá água mineral etc.", diz.
Ela admite que sua vida hoje gira em torno dos rebentos e acha que faz parte do pacote. "Eu estava preparada para isso quando decidi ser mãe. Mas faz falta ter uma vida social que não os inclua."
Enquanto a criança ainda é um bebê, é normal que a vida da família seja pautada pelas necessidades dela, de acordo com Zagury. "Mas, a partir dos três, quatro anos não precisa ser assim. Os pais devem dar proteção aos filhos, não sua própria vida."

MAMÃE EU QUERO
Encontrar o equilíbrio pode ser complicado quando a criança tem entre dois ou três anos, aponta Friedmann. "Elas estão na fase de se descobrirem como pessoas com identidade única. Nesse período, há uma necessidade da afirmação do eu, por isso experimentam um jogo de força com os adultos."
É fundamental os pais terem clareza sobre quais regras vão impor aos filhos. Só assim conseguirão ser firmes.
"Os limites devem ser colocados na primeira infância, quando se constroem as bases da personalidade", acrescenta Friedmann.
A psicopedagoga Maria Irene Maluf, membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia, lembra que regras dão segurança. "A opinião da criança não deve ser ignorada, mas ela não sabe escolher o que é melhor para ela. Ninguém nasce autônomo."
No fundo, mesmo os mais rebeldes gostam de saber até onde podem ir, complementa a também psicopedagoga Betina Serson. Para quem tem um déspota mirim em casa, ela recomenda começar a disciplina estabelecendo uma rotina.
"A ideia de que colocar limites pode ser danoso à criança é 'idiota'", afirma Mezan. Segundo ele, a inexistência de regras gera ansiedade dos dois lados.
"Qualquer renúncia ao prazer imediato passa a ser vivida como uma frustração insuportável pela criança. Muitas vezes, porque seu desejo é logo satisfeito, ela acaba valorizando pouco o que tem", afirma. (JULIANA VINES)

FRASES
" Por um lado, é um avanço, há mais diálogo na família e mais decisões consensuais; por outro, os pais têm medo de exercer a autoridade legítima"
RENATO MEZAN
Psicanalista

" A opinião da criança não deve ser ignorada, mas ela não sabe escolher o que é o melhor para ela. Ninguém nasce autônomo"
MARIA IRENE MALUF
Psicopedagoga